Nova variante ómicron e as mudanças nas economias dos EUA e da China vão ecoar pelos diferentes países do globo.
A pandemia da Covid-19 chegou às nossas vidas há quase dois anos. E, hoje, as notícias não são animadoras. O aparecimento de uma nova variante do coronavírus – a ómicron – deixou os mercados financeiros em sobressalto e acelerou a venda de ações em bolsa. A preocupação de que esta nova variante, mais transmissível, possa travar a recuperação económica global instalou-se no mundo. E mesmo que seja possível controlar os contágios, prevê-se que a situação económica em 2022 seja particularmente difícil, até porque assiste-se a mudanças nas duas principais economias mundiais: nos Estados Unidos, onde a política monetária está mais rígida e na China, onde o crescimento económico está mais lento.
Mas qual é o peso destes dois países na economia mundial? Ora, só os EUA e a China, juntos, representam 40% do Produto Interno Bruto (PIB) do mundo. Mas, note-se, que estas duas economias influenciam os outros países de formas diferentes. Para muitos dos países emergentes, o forte crescimento dos EUA é como uma faca de dois gumes. Embora o consumo das famílias possa aumentar, este fator muitas vezes é ofuscado pelo efeito da política monetária, dado o papel fundamental do dólar e dos títulos do tesouro no sistema financeiro global. A política monetária mais rígida dos EUA costuma estar associada a uma diminuição do apetite pelo risco a nível global, pelo que os fluxos de capital para os mercados emergentes tendem a diminuir. Portanto, um dólar mais forte acaba por reduzir os fluxos comerciais.
Já o efeito da China no mundo é mais direto. O país é mesmo o maior consumidor mundial de alumínio, carvão, algodão e soja, entre outras commodities, e um grande importador de bens. Quando o mercado da China treme, as exportadoras de todo o mundo sentem.
Esta não vai ser a primeira vez que as economias serão forçadas a navegar nas águas agitadas destes dois países. Recorde-se que na década que se iniciou em 2010, os mercados emergentes mais vulneráveis foram pressionados pelo dólar que estava em alta. Foi na altura em que o Federal Reserve retirou o apoio monetário fornecido durante a crise financeira global e quando se assistiu à liberização do mercado financeiro e ainda a um aperto à concessão de crédito que desencadeou uma recessão na China. O crescimento nos mercados emergentes, excluindo a China, caiu de 5,3% em 2011 para apenas 3,2% em 2015.
Um terramoto com origem nos EUA e na China…
Desta vez, o aperto para as economias pode ser bem maior. Na década de 2010, assistiu-se a uma fraca recuperação da economia e a uma inflação igualmente baixa, o que forçou o Sistema Federal dos Estados Unidos (Fed) a agir com cautela e de forma lenta. Na altura, mais de dois anos e meio se passaram entre o anúncio do Fed de sua intenção de reduzir as compras de ativos e o primeiro aumento das taxas de juros. Desta vez, apenas 12 meses depois do Fed ter anunciado o seu plano de redução gradual estima-se que haverá a cessação total da compra de títulos e, ainda, por dois aumentos das taxas de juros, segundo apontam os preços do mercado.
A economia da China, por sua vez, parece estar destinada a contrair mais agora do que na última década. O governo chinês já respondeu à desaceleração do crescimento da economia, abrindo as torneiras do crédito, uma medida que está a ajudar a aumentar novamente o risco de bolha imobiliária. Desde então, o mercado imobiliário cresceu mais e o endividamento das famílias e empresas aumentou. Embora o FMI ainda preveja que a China crescerá 5,6% em 2022, essa seria, com exceção de 2020, a menor taxa desde 1990.
A importância da China para a economia mundial só aumentou desde a década 2010. E o mundo continua vulnerável a crises. O peso da dívida disparou durante a pandemia. E é provável que a propagação da Covid-19 determine a imposição de mais restrições por parte dos governos. Tendo em conta os episódios passados antes do aperto do Fed, nota-se que o aumento das taxas de juros geradas pela forte procura norte-americana é benéfico para os países emergentes que contam com economias mais fortes. Mas, por outro lado, para as economias mais frágeis, pode ser destabilizá-las.
Quais os países mais e menos vulneráveis?
Para responder esta questão e perceber quais são os países do mundo estão mais vulneráveis aos efeitos do aperto da política monetária, foi realizado um estudo que reune as 60 maiores economias, tanto desenvolvidas como em desenvolvimento, escreve o The Economist que realizou a análise.
Tendo em conta os défices dos países, níveis de dívida, inflação e outros indicadores foi possível determinar o chamado índice de vulnerabilidade dos países, que se traduz em pontuações mais altas tanto quanto maior for a sua fragilidade.
No topo da lista está a Argentina, que enfrenta uma taxa de inflação de mais de 50% e uma crise económica profunda. Logo depois está a Turquia, onde a sua moeda a – lira turca – perdeu quase 40% do seu valor face ao dólar em 2021, o que provocou uma queda no poder de compra.
É o alto peso da dívida em alguns países riscos que os empurra para o topo da lista. Das economias emergentes, o Brasil é o país mais vulnerável. Neste país, o nível do endividamente é alto e a inflação tem escalado, mas os altos preços das commodities permitiram manter a confiança dos investidores. No entanto, a desaceleração da economia chinesa pode levar à queda da moeda do país – o real brasileiro -, aumentar a inflação e gerar uma crise económica.
Risco de depreciação das moedas
As condições podem piorar ainda mais se a política monetária mais rígida dos EUA agravar a desaceleração da China. Isto porque os fluxos financeiros aumentaram – e muito – nos últimos dois anos o que elevou o valor do yuan. Mas um travão destes fluxos poderá levar a uma depreciação da moeda chinesa. Por outro lado, o aparecimento do ómicron acrescentou uma nova incerteza ao cenário mundial, pois pouco se sabe ainda sobre os danos económicos que esta nova variante poderá causar.
Depois do mundo assistir às quedas no mercado de ações no passado dia 26 de novembro de 2021, as expectativas dos investidores sobre o ritmo de aumento das taxas americanas no próximo ano diminuíram. Mas isso pode não ser uma razão para alívio por parte das economias menos fortes. Muitas moedas caíram em relação ao dólar durante a pandemia. Se a nova variante ómicron também reduzir o comércio e o crescimento, os seus efeitos vão gerar pressões ainda maiores sobre as economias mais vulneráveis.